Vivemos um dos momentos mais delicados — e estratégicos — da história contemporânea. A ordem mundial, por décadas sustentada pela globalização e pela interdependência econômica, passa por uma reconfiguração silenciosa, porém profunda. Talvez o início de uma nova fase geopolítica, que muitos já classificam como desglobalização.
Ao contrário do que muitos pensam, a desglobalização não é apenas um movimento econômico. É também geopolítico, ideológico e até cultural. Estamos diante da reconstrução dos fluxos de poder no mundo, da descentralização de alianças tradicionais e da busca acelerada por autonomia industrial, energética e tecnológica por parte das grandes potências.
Desglobalização: O Que É e Como Começou
O termo desglobalização passou a ganhar força após a crise financeira de 2008, quando grandes economias começaram a questionar os riscos de sua dependência externa. Mas foi a pandemia de COVID-19, em 2020, que escancarou a fragilidade das cadeias globais de produção e acelerou esse processo.
Mais recentemente, eventos como a guerra comercial entre EUA e China, o conflito Rússia-Ucrânia e a revisão de acordos multilaterais marcaram um reposicionamento estratégico das grandes potências. Em vez de buscar mais integração, o mundo caminha para mais proteção, mais nacionalismo econômico e mais disputas por autonomia.
O Fim de Uma Era?
Desde os anos 1990, a globalização moldou o crescimento econômico com cadeias produtivas fragmentadas por países, acordos multilaterais, circulação de capitais e acesso facilitado a mercados. No entanto, crises sucessivas — como a de 2008, a pandemia de 2020 e os recentes conflitos geopolíticos — colocaram esse modelo sob pressão.
Hoje, países que antes lideravam o discurso da integração global voltam-se para dentro. Incentivos à produção local, elevação de tarifas de importação, políticas industriais nacionalistas e reestruturação de acordos comerciais refletem um novo paradigma: menos interdependência e mais controle estratégico
Fases da Desglobalização
- Crise de Confiança (2008–2015)
A quebra do Lehman Brothers e os efeitos da crise global enfraqueceram a fé em instituições multilaterais e modelos financeiros globalizados. - Choque Logístico e Sanitário (2020–2022)
A pandemia desorganizou cadeias produtivas e mostrou como países ficaram vulneráveis ao depender de outros para itens essenciais (como respiradores ou chips eletrônicos). - Conflitos e Realinhamento Estratégico (2022–presente)
A guerra na Ucrânia, a instabilidade no Oriente Médio e os reposicionamentos dos EUA, China e Europa inauguraram uma nova geopolítica de alianças bilaterais e acordos setoriais.
Exemplos Históricos de Reconstruções Geopolíticas
A história mostra que a geopolítica mundial se reorganiza em ciclos:
- Pós-Segunda Guerra Mundial (1945)
O mundo se dividiu em dois blocos: capitalista e socialista. Nesse período, o Plano Marshall impulsionou a reconstrução da Europa Ocidental e os EUA assumiram a liderança econômica global. - Queda do Muro de Berlim (1989) e fim da URSS (1991)
Iniciou-se a globalização como conhecemos, com expansão das multinacionais, surgimento da OMC, e entrada da China no sistema de comércio internacional. - Pós-2001 (ataques de 11 de setembro)
A segurança nacional passou a dominar as agendas econômicas. Surgiram barreiras tecnológicas e vigilância mais intensa sobre fluxos financeiros, inaugurando a era das regulações geopolíticas.
Agora, entramos em uma nova fase que não é mais apenas “globalização com ajustes”, mas sim reconstrução dos centros de poder econômico e das rotas estratégicas globais.
Como os EUA Vêm Influenciando esse Processo
- Incentivos à produção nacional (IRA Act de 2022): o Inflation Reduction Act destinou bilhões de dólares para reindustrializar os EUA, especialmente em setores como semicondutores, energia limpa e baterias.
- Taxas mais altas e valorização do dólar: a política monetária rígida fortalece o dólar, pressiona economias emergentes e dificulta a captação de recursos por empresas fora do eixo EUA-Europa.
- Redefinição de acordos comerciais: a saída do TPP e a renegociação do NAFTA (agora USMCA) sinalizam o fim do multilateralismo como prioridade americana.
Impactos Potenciais no Brasil
O Brasil, como grande player agroexportador, está no centro desse tabuleiro. Sua posição depende de decisões estratégicas e da capacidade de adaptação à nova ordem global. Setores mais sensíveis;
- Agropecuária – Novas barreiras sanitárias, rastreabilidade ambiental e acordos comerciais limitados podem restringir mercados externos.
- Energia e Mineração – A transição energética pode favorecer o Brasil (com lítio, nióbio e energia limpa), mas exigirá investimentos estruturais e estabilidade regulatória.
- Tecnologia e manufatura – Empresas brasileiras podem enfrentar dificuldade de acesso a chips, máquinas e tecnologias estratégicas, além de capital internacional.
- Exportações industriais e commodities – Volatilidade cambial e guerras comerciais dificultam previsibilidade e planejamento.
Como o Investidor e Empresário da Classe Média Alta Pode se Proteger
- Estrutura internacional de ativos e negócios
Ter holdings em jurisdições seguras (como Delaware ou Panamá) protege o patrimônio e permite operar com flexibilidade em cenários instáveis. - Blindagem patrimonial e sucessória
Estruturas internacionais facilitam a sucessão familiar, protegem contra instabilidade política e tributária local e oferecem vantagens fiscais legítimas. - Acesso a moedas fortes
Investir parte do capital em ativos dolarizados ou euro pode ser decisivo frente à valorização do dólar e eventuais crises cambiais. - Acompanhamento geopolítico contínuo
Mais do que monitorar o mercado interno, é necessário entender como decisões globais afetam diretamente o crédito, a inflação e os fluxos de investimento no Brasil.
A reconstrução geopolítica global está em curso — e com ela, surgem riscos e oportunidades. O movimento de desglobalização não é apenas um retorno ao passado, mas sim a construção de um novo futuro com fronteiras econômicas mais rígidas, cadeias produtivas regionalizadas e competição estratégica por influência e recursos. Não representa um retrocesso, mas um novo ciclo. O mundo está redesenhando seus fluxos, reposicionando suas prioridades e disputando sua autonomia. Quem compreender essa transformação agora, sairá na frente nos próximos dez anos.
No fim, as crises também são convites à estratégia. O Brasil tem potencial para ser mais do que um coadjuvante — mas isso dependerá da inteligência com que reagirmos à nova ordem mundial.
Empresários e investidores que entenderem essa mudança com antecedência estarão mais bem posicionados para proteger seu patrimônio, expandir com inteligência e ocupar os novos espaços que se abrem nesse mundo em reconfiguração.